Uma análise psicanalítica do despertar de sensações, emoções e o interesse de um público cada vez mais fiel
O ano de 2021 mal começou e já vem trazendo com ele uma nova edição do Big Brother Brasil. Reality exibido pela Rede Globo de Televisão, que desde sua estreia em 2002, desperta sensações, emoções e o interesse de um público cada vez mais fiel. Público este que, desde o ano passado, vem consumindo uma nova equação do programa que integra famosos e anônimos na disputa pelo prêmio de 1,5 milhão de reais. Um grande sucesso que mistura participantes distintos instigados por barracos, romances, festas, competição e um desejo de brilhar ainda mais, no “casting” de celebridade ofertado pelo programa. Mas o que faz com que esse tipo de programa atraía tantos olhares e movimente números extraordinários de interação com os telespectadores?
Para responder essa pergunta, vamos analisar alguns fatores e dados inseridos no reality que completa neste ano sua 21ª edição. Em primeiro lugar, o BBB aposta na capacidade de atuação competitiva dos Brothers que, confinados e pressionados, inevitavelmente, demonstram uma afetação e abalo em seu estado emocional e psicológico, podendo até chegar a claras demonstrações de desequilíbrio mental e físico.
Psicologicamente falando, se levarmos em consideração que, o confinamento e o fato dos participantes estarem sob pressão psicológica constante, pode potencializar comportamentos ruins e fazer com que o ser humano, colocado sobre este patamar, demonstre o seu pior lado, a audiência estrondosa do programa pode estar relacionada a esta pressão. São pessoas que perderam sua privacidade, estão sendo monitoradas 24 horas por dia, estão confinadas e, naturalmente, vão produzir o que o público quer ver: agitação. Uma agitação manipulada pelo estresse, pela irritação, pelo medo, angústia, insegurança e pela intimidade devassada. Ingredientes importantes para alimentar e aguçar a curiosidade alheia e assim, prender o telespectador, com uma pitada de tensão e muita inquietude.
Uma questão importante é entender de que forma e, em que intensidade o psicológico dos participantes pode ser afetado ou prejudicado ao fazer parte do elenco de um reality como o BBB. Na verdade, o termo “prejudicar” não necessariamente seria o mais correto, pois tudo vai depender do controle emocional de cada um. O quanto ele suporta pressões. As afetações psicológicas são muitas e de uma certa forma, isso se bem encarado, pode até ser um bom exercício terapêutico, onde o participante poderá medir até onde vai seu controle, qual o seu limite e se está, de fato, equilibrado para passar por situações tão conflituosas. Quando citamos fazer um exercício de controle psicológico e terapêutico, entendemos não ser uma fácil tarefa. O participante para conseguir controlar seu emocional deve saber manejar muito bem suas atitudes e suas reações, nunca esquecendo que existem mais de 50 câmeras espalhadas pela casa.
O público, de uma forma geral, pode concluir que participar de um programa como o BBB não é para qualquer um. Confinamento, perda da privacidade, ficar preso com pessoas extremamente diferentes de você, regidos pela atmosfera da competição, controlados pela impaciência e intolerância, são alguns motivos para chocar quem assiste. Temperos suficientes também para instigar a criticidade do telespectador que, acaba por se identificar com alguns “personagens” da casa. Essa identificação pessoal provoca questionamentos e reflexões sobre si mesmo e sobre as situações vivenciadas. Uma busca por entender como agiria se estivesse na pele daquele participante.
Naturalmente, como seres humanos possuímos características pinceladas por julgamentos. Sentimos prazer em analisar e julgar os comportamentos alheios. Além disso, podemos citar a provocação exercida por cada edição, em suscitar o Voyeur que existe em cada um de nós, aguçando nossa curiosidade em saber, por exemplo, como se dará a relação cotidiana entre anônimos e famosos? Como o famoso se comporta no dia a dia? Quais as amizades serão feitas ou desfeitas? Quem fará par com quem? Quem será eliminado? Quais as grandes rivalidades? Questões que, sem sombra de dúvidas, mexem com o emocional dos integrantes do programa, mas também aguça e muito, as reações de arbitramento do público. Um público que hoje, cada vez mais, vive um momento de explosão surreal do advento tecnológico, com uma maior possibilidade de interagir com o programa e, podendo intervir diretamente no salvamento ou na eliminação de um participante. Sem esquecer a disseminação da cultura do cancelamento que, já produz possíveis eliminados antes mesmo do programa começar.
O espelhamento também é um fator crucial que pode justificar o sucesso do Big Brother Brasil. Temos características inerentes ao ser humano que nos permitem desenvolver a capacidade de se espelha no outro, com isso o público passa a fazer associações de identificação ou mesmo de rejeição com os participantes da edição. Criando afinidades e empatia, ficando inclusive, preso aos programas, aumentando ainda mais a audiência da atração.
Nos últimos anos, temas sensíveis têm sido explorados dentro da casa, muito em função da diversidade apresentada pelos participantes. O que facilita ainda mais a percepção do público para o formato contemporâneo e bastante antenado com a sociedade. Levantando questões latentes como racismo, sexo, gêneros, preconceitos, traições, homofobias, entre outros. E não tem jeito, essa é uma tremenda receita de sucesso, pois as polêmicas estimulam discussões e prendem o público na tela da TV.
Enfim, a formatação de programa desenhado para um reality show, mostra que ao perderem o equilíbrio os participantes usam o lado primitivo do cérebro e acabam levando seu espírito de luta para o combate. Essa identificação do telespectador gera muita audiência e faz do Big Brother Brasil, uma fórmula de sucesso que movimenta milhões de reais em suas edições. As pessoas querem ver a confusão, a tensão e a intolerância dos participantes. Isso dá muito ibope e gera muitos comentários pós programa. Com a voz e a liberdade de expressão promovidas pelas redes sociais, o ser humano tornou-se um grande julgador, exímio juiz, capaz de dar vereditos contundentes sobre assuntos diversos. E com o BBB não é diferente. Ao assistir experimentamos a falsa sensação de passar por aquelas situações mostradas nesta grande vitrine de exposição que é o reality. No entanto, o grande exercício que podemos fazer é provocar nosso equilíbrio emocional, tirando proveito da observação constante, nos indagando intimamente todas as noites: até onde iria o meu limite e como eu poderia lidaria com o limite do outro? Viver a pressão do confinamento e da falta de privacidade exige, além de muitas outras coisas, autoconhecimento. Ele é fundamental para o equilíbrio deste processo, já que, se conhecendo muito bem, o participante poderá assegurar-se de que forma ele poderia ter mais harmonia e controle emocional em um ambiente manipulado por um verdadeiro arsenal tecnológico, cercado por pessoas tão distintas, com bagagens divergentes de vida, diferentes valores e propósitos, em uma competição para alcançar o título de vencedor do programa.
Dra. Andrea Ladislau – Psicanalista