Tratamento inovador apresentou bons resultados em estudo e pode ajudar a reduzir as chances de recidiva de dois dos tumores mais agressivos
O câncer de pâncreas e o colorretal (intestino grosso) estão entre os mais desafiadores de tratar. Mesmo após cirurgia e quimioterapia, muitos pacientes sofrem com a recidiva da doença de maneira precoce. Agora, uma vacina experimental chamada ELI-002 2P está trazendo esperança para mudar esse cenário.
O estudo, publicado na revista científica Nature Medicine, acompanhou 25 pacientes, sendo 20 com câncer de pâncreas e 5 com câncer de intestino, que já haviam passado por cirurgia e quimioterapia, mas ainda permaneciam com alto risco de recidiva, visto que possuíam pequenas quantidades de células tumorais detectadas por exames de sangue, a chamada “doença residual mínima”. Após receberem a vacina, 84% desenvolveram uma forte resposta do sistema imunológico contra mutações no gene KRAS, presentes na maioria dos casos desses tumores.
“O câncer de pâncreas é uma das doenças mais difíceis de tratar e, mesmo quando conseguimos retirar o tumor, o risco de ele voltar é muito alto”, afirma Breno Jeha Araújo, oncologista da Oncoclínicas. “O gene KRAS funciona como um condutor desses tumores. Uma vacina que treina o sistema imunológico para atacar células tumorais com essa mutação pode ser um divisor de águas”, complementa o especialista.
Nos pacientes com câncer de pâncreas, a sobrevida média foi de 29 meses, enquanto a sobrevida livre de recorrência ultrapassou mais de 15 meses sem sinais da doença, resultados que superam os padrões históricos. Em alguns casos, o tumor não voltou até o momento de acompanhamento antes da publicação do estudo.
Diferente das vacinas personalizadas, que precisam ser adaptadas individualmente para cada paciente, a ELI-002 2P é “pronta para uso”. “Isso significa que no futuro ela poderá ser produzida e distribuída em larga escala, chegando mais rapidamente a quem precisa.”, explica o oncologista.
O papel do sistema imunológico
A vacina foi projetada para atacar mutações no gene KRAS, presentes em cerca de 90% dos casos de câncer de pâncreas e cerca de 50% dos de intestino. Curiosamente, em alguns pacientes, também foi observada resposta contra mutações adicionais não previstas na formulação inicial, ampliando seu potencial de proteção.
“Ver uma resposta imune robusta, mesmo contra mutações não incluídas na vacina, é um sinal animador.”, ressalta o oncologista
Apesar de ser chamada de “vacina”, a droga em estudo não tem função preventiva, mas sim terapêutica: seu objetivo é reforçar o sistema imunológico de pacientes já diagnosticados com a doença, ajudando-o a combater o câncer com mais eficiência. Um dos maiores desafios da oncologia é desenvolver medicamentos capazes de atacar as neoplasias de forma eficaz e, ao mesmo tempo, reduzir os efeitos colaterais – algo que nem sempre é possível com as terapias convencionais, que atingem as células tumorais, mas também prejudicam células saudáveis.
“O sistema imunológico pode, em alguns casos, impedir ou retardar o crescimento do câncer, mas as células tumorais encontram maneiras de escapar e evitar a destruição. As novas terapias que vêm surgindo buscam ampliar o arsenal contra a doença, fortalecendo as ‘tropas’ de defesa do organismo. Essa vacina, em especial, estimula o corpo a reconhecer novamente as células cancerígenas como inimigas, desencadeando uma resposta imune altamente específica e, consequentemente, muito eficaz”, explica o oncologista da Oncoclínicas.
Próximos passos
Embora os resultados sejam positivos, os pesquisadores lembram que este é um estudo inicial e que novas fases, com mais participantes, serão necessárias para confirmar a eficácia e a segurança da vacina. Uma nova versão da vacina já está em avaliação em estudos internacionais.
“A ciência avança passo a passo. Mas cada dado como este nos dá mais confiança de que podemos oferecer aos pacientes uma nova chance contra doenças tão agressivas”, finaliza o Dr. Breno.
Entenda o câncer de pâncreas
Embora seja mais comum a partir dos 60 anos, o risco de câncer de pâncreas aumenta conforme a idade. Segundo o Instituto Nacional de Câncer (INCA), são esperados 10.980 casos por ano no período de 2023 a 2025, sendo 5.690 em mulheres e 5.290 em homens.
O pâncreas é responsável por produzir enzimas que auxiliam na digestão e hormônios que regulam o açúcar no sangue. Mede cerca de 15 centímetros e é dividido em três partes: cabeça (lado direito), corpo (centro) e cauda (lado esquerdo).
O tipo mais comum de câncer de pâncreas é o adenocarcinoma, que representa cerca de 90% dos casos e começa na parte que produz enzimas digestivas. Há também tipos mais raros, como o pancreatoblastoma e os tumores neuroendócrinos, que se comportam de forma diferente e exigem tratamentos específicos.
Entenda o câncer de intestino
O câncer colorretal geralmente se desenvolve no cólon (intestino grosso) ou no reto, com aumento de casos a partir dos 50 anos. O tipo mais comum é o adenocarcinoma, responsável por cerca de 90% dos diagnósticos. Ele costuma se originar a partir de pólipos, pequenas lesões na parede intestinal, que, se não identificados e removidos, podem se tornar malignos ao longo dos anos.
Segundo o INCA, são estimados 45.630 novos casos por ano no Brasil entre 2023 e 2025, somando homens e mulheres.