José Wilson Andrade, vice-presidente da Associação Pan-Americana de Medicina Canabinoide, vê com ressalva essa descoberta
Pesquisadores da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) identificaram canabidiol (CBD) em uma planta nativa brasileira chamada Trema Micrantha Blume. O biólogo molecular Rodrigo Moura Neto foi responsável por liderar o estudo. Em conversa com a AFP (Agence France-Presse), ele disse que a análise química mostrou CBD na planta, porém não havia tetrahidrocanabinol, o THC (substância psicoativa presente na Cannabis Sativa. Ela é proibida de ser cultivada por produzir droga alucinógena, a maconha). Isso sugere a possibilidade de uma nova fonte abundante do composto.
Vale lembrar que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) impõe que a fórmula de canabidiol só pode conter 0,2% de THC. Mas o que essa informação pode impactar no uso da Cannabis Medicinal? Segundo José Wilson Andrade, vice-presidente da Associação Pan-Americana de Medicina Canabinoide, a descoberta de fitocanabinoides em outras espécies, além da Cannabis Sativa, não é novidade.
“Enxergo certo sensacionalismo e preconceito velado nessa notícia. Divulgar que existem possibilidades de extração do Canabidiol (CBD), em uma planta sem o THC (tetrahidrocanabinol), coloca esse último como vilão. E não é. O THC para muitos casos, como dor e náuseas, por exemplo, é essencial para o tratamento”, enfatiza. José Wilson diz que são mais de 150 fitocanabinoides presentes na Cannabis Sativa junto com terpenos e flavonoides e que passam de 500 moléculas ativas na planta.
Ele explica a existência de uma sinergia entre todos esses princípios ativos – o “efeito entourage” ou comitiva. “Mesmo na epilepsia, onde o CBD é o principal composto, resultados com full spectrum (extrações integrais da planta, com todos seus princípios ativos), mostram-se superiores ao uso de CBD isolado em dezenas de estudos clínicos. Claro que outras opções de extração do CBD são bem-vindas, mas elas não vão substituir a Cannabis“, comenta.
O médico ressalta que os primeiros testes in vitro para identificar a real validade dessa descoberta, de acordo com informações do pesquisador responsável pelo estudo, serão iniciados daqui a três anos. “Teríamos que aguardar cinco anos ou mais até que um medicamento com CBD, extraído da Trema Blume, estivesse disponível. Nós temos 25 produtos derivados de Cannabis nas farmácias e outras centenas que podem ser importados com autorização da Anvisa. Não existe nenhum estudo do efeito do CBD extraído da Trema. Existem milhares em relação à Cannabis“, aponta.
Em entrevista à Agência Brasil, pertencente à Empresa Brasil de Comunicação (EBC), Rodrigo Moura Neto argumenta que a planta brasileira poderá beneficiar muitas pessoas que precisam do tratamento com a Cannabis Medicinal. “Se você tiver uma capacidade de produção grande, pode atingir a rede pública. Nós, que trabalhamos com pesquisa científica, queremos sempre estender as vantagens dela para todas as pessoas. E o sistema público de saúde seria o caminho. É uma meta grandiosa que nos estimula a trabalhar e colocar essa substância à disposição de todos. É algo ambicioso, mas fico entusiasmado com essa possibilidade”, destaca.
No entanto, José Wilson reforça que os resultados de outras fontes de canabidiol precisam ser estudados e comprovados. “Não existem motivos para que pacientes que já se beneficiam de tratamentos com derivados de Cannabis tenham seu protocolo de tratamento alterado”, finaliza.