Você sabia que cerca de 90% das empresas no Brasil são de controle familiar? Apesar de representarem uma parcela significativa da economia, poucas gerações conseguiram passar: apenas um terço sobreviveu à transição da primeira para a segunda geração, 12% chegam à terceira e apenas 4% à quarta. Esses números, oriundos de pesquisas da PwC e do IBGC, deixam claro o desafio da continuidade nas Famílias Empresárias e reforçam a importância de tratar a governança como estratégia, e não apenas como formalidade.
Um dos principais gargalos para a perenidade está na ausência de planejamento sucessório. Cerca de 72% das empresas no país, sejam familiares ou não, não têm um plano estruturado para a sucessão de cargas-chave. Essa falha impacta diretamente a operação do negócio e sua capacidade de se manter relevante e sustentável ao longo do tempo.
Para compreender melhor a complexidade das Famílias Empresárias, o modelo dos três círculos, desenvolvido por John Davis e Renato Tagiuri, professores da Universidade Harvard, oferece uma lente poderosa. Esse modelo apresenta três dimensões interdependentes: Família, Negócio e Propriedade. Cada uma exige uma forma própria de governança — familiar, corporativa e societária — e um olhar atento para os papéis e responsabilidades dos envolvidos.
A governança corporativa cuida do negócio: estratégia, estrutura, inovação, conselhos e processos. Já a governança familiar olha para as pessoas da família: comunicação, acolhimento, talentos, conflitos e valores. Ambos se complementam e, quando bem articulados, criam um ambiente saudável para decisões estratégicas e sustentáveis. Um exemplo prático disso são os conselhos — de família, de sócios e de administração — que ajudam a alinhar os interesses da família com os objetivos do negócio e a gestão da propriedade.
A sucessão é talvez o maior desafio — e, ao mesmo tempo, uma das maiores oportunidades. Em uma cultura onde a palavra ainda carrega a sombra da perda, é essencial mudar a perspectiva: sucessão é continuidade, não ruptura. Quando planejada com escuta e intencionalidade, ela garante a transferência de responsabilidades de forma natural e fortalecedora. Isso exige preparação, clareza de propósito, comunicação aberta e estruturas de apoio que considerem tanto as competências quanto os desejos dos possíveis sucessores, sejam membros da família ou profissionais externos.
Qual é o papel do RH nesse cenário? Fundamental. O RH estratégico conhece a cultura da empresa, as cargas-chave e o perfil dos colaboradores. Ele atua como ponte entre família, negócio e cultura, sendo um agente essencial no mapeamento de talentos e na condução cuidadosa da sucessão.
Conflitos entre familiares e profissionais não familiares são inevitáveis — e naturais. A diferença está na forma como são tratados. Empresas familiares centenárias revelam que valores claros, processos bem definidos e uma comunicação honesta são os pilares da convivência saudável. Somado a isso, o autoconhecimento das pessoas ajuda a separar os papéis pessoais dos profissionais, promovendo relações mais maduras e produtivas.
Por fim, a cultura organizacional é profundamente influenciada por essa intersecção entre governança familiar e corporativa. Quando há alinhamento entre os valores da família e os objetivos do negócio, a empresa se torna mais consistente, mais humana e mais preparada para o futuro.
A governança, portanto, não é apenas um conjunto de regras. É um caminho para a longevidade, para a construção de legados e para a harmonia entre pessoas, propósito e resultados.
* Conselheira Estratégica da ABRH-MG