As mulheres e o vinho – A harmonia que contagia

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É cada vez maior o número de vinícolas e de especialistas do sexo feminino à frente dos processos da vitivinicultura; quase 50% dos participantes do Brasil na Taça em Uberlândia eram mulheres.

Por Walace Torres/Vox Solus

A história de Moema Rezende Pereira de Aguiar renderia um livro com potencial de figurar numa relação das principais obras que inspiram pessoas. Seu capítulo mais recente de vida segue uma vertente de quebra de barreiras num mercado que durante muito tempo foi predominantemente masculino: a produção de vinhos. A araxaense de 58 anos é uma das tantas mulheres que têm contribuído para mudar esse cenário, e tornar a experiência de agradar paladares num propósito de vida.

Pedagoga e especialista em Psicodidática, Moema atuou por 29 anos na aprendizagem de crianças em Araxá, no Alto Paranaíba. Até que desenvolveu a Síndrome de Burnout, um distúrbio emocional que causa estresse crônico e exaustão devido ao esgotamento profissional. Passou três anos em tratamento. Mas, foi na fazenda que encontrou sua melhor terapia. O trato com a terra despertou uma nova paixão. Em 2017, ela e o marido Getúlio Paiva iniciaram o plantio de um vinhedo com 2.950 mudas. Três anos depois veio a primeira colheita. “Deixei as crianças para cuidar das uvas. Aprendi que nas ruas das vinhas só corre o vento! Resgatei no campo a tranquilidade que me faltava”, confessa.

A jornada foi cheia de desafios e dúvidas, e ela demorou para se apegar às novas funções. A paciência do marido foi essencial tanto no tratamento como na investida nas vinhas. A chave finalmente virou quando venderam a primeira garrafa. “Foi bom ver os olhos de quem provou e gostou. Comecei higienizando as garrafas, colando os rótulos e contra rótulos, envolvendo as garrafas em papel de seda, na sacola e nas mãos de quem era apaixonado por vinho e história.  A partir daí, fui para dentro do vinhedo. Podas, vindimas, plantio…foi assim”, lembra. Seu trabalho atraiu outras mulheres. Em sua propriedade, cerca de 80% da colheita são realizadas por mãos femininas.

Hoje, Moema é quem gerencia a vinícola Paiva Aguiar com o marido. “Brinco com o Getúlio que ele é a raiz e os ramos da videira; eu sou as folhas e o fruto. Sem mim, não há fotossíntese”, diz. Seus rótulos da espécie Syrah marcaram presença na primeira edição do Brasil na Taça em Uberlândia, em 2024. Além de valorizar a produção nacional, o evento confirmou a tendência crescente da presença feminina na vitivinicultura. Quase 50% das vinícolas presentes ao evento estavam representadas por mulheres, além de especialistas em vinhos.

Moema é uma das três produtoras de vinho do Triângulo e Alto Paranaíba entre as mulheres que serão homenageadas durante um café da manhã que acontecerá no Dia Internacional da Mulher, 8 de março, no Parque de Exposições do Camaru. O evento, realizado pelo Sindicato Rural de Uberlândia, marca o lançamento do 5º Encontro de Mulheres Mineiras do Agronegócio, que ocorrerá durante a Femec 2025. A produtora araxaense também estará presente na segunda edição do Brasil na Taça em Uberlândia, que acontecerá em 17 de maio.

Participação
Além de produtoras e consumidoras de vinho, as mulheres estão à frente de outros processos da vitivinicultura, seja como enólogas, sommeliers ou até mesmo especialistas em apreciação de vinhos. Uma pesquisa conduzida pela Vinexpo na Inglaterra revelou que oito em cada 10 garrafas de vinho são compradas por mulheres. Outra pesquisa publicada em 2018 na revista Food Quality and Preference comprova que as mulheres têm um paladar mais apurado e, portanto, são capazes de distinguir sabores que normalmente não são percebidos pelos homens. No Brasil, segundo dados da Associação Brasileira de Sommeliers (ABS), a participação das mulheres em cursos de formação representa 50% dos alunos, em alguns estados até mais. Além disso, dos 327 associados que integram o quadro social da Associação Brasileira de Enologia (ABE), 76 são mulheres.

Da Argentina, vem uma iniciativa que dá sustentação a essa tendência e valoriza a atuação da mulher no mundo dos vinhos. O nome do evento já diz tudo: Concurso Internacional de Vinos y Licores La Mujer Elige (As mulheres Escolhem). O júri é 100% formado por mulheres, entre enólogas, sommeliers e jornalistas especializadas. Na edição de 2024, realizada em Mendoza, o Brasil faturou 83 prêmios e ainda esteve representado por três enólogas. Isabela Peregrino, diretora regional da ABE e uma das figuras brasileiras mais expressivas do vinho na atualidade, foi uma das juradas.

Formada em Farmácia e Bioquímica, com ênfase em Indústria de Alimentos e Bebidas, pela Universidade Federal de Juiz de Fora, sua paixão pela enologia começou durante o estágio obrigatório em uma vinícola na California (J. Lohr, em Paso Robles). Após o retorno ao Brasil e a formação, fez nova graduação em Tecnologia em Viticultura e Enologia no Instituto Federal do Rio Grande do Sul, em Bento Gonçalves. O ingresso na nova carreira foi como bolsista do pesquisador Murillo de Albuquerque Regina, na época coordenador de pesquisas no Núcleo Tecnológico da EPAMIG Uva e Vinho, e responsável pela difusão dos vinhos de inverno elaborados a partir da técnica da dupla poda no Brasil e no exterior. Foi enóloga assistente na Luiz Portos Vinhos Finos e regressou à EPAMIG posteriormente como enóloga responsável por toda a elaboração dos vinhos e espumantes por sete anos.

Desde 2021, atua como gerente da vinícola Vitácea Enológica, que atende 22 empresas em serviços de vinificação. Ainda trabalha como enóloga consultora para outras nove vinícolas localizadas em MG, SP e RJ. Em 2019, deu início a seu projeto pessoal, chamado Ventania Vinhedos e Vinhos, com a implantação de 1 hectare de uvas das variedades Chardonnay e Vermentino, visando a produção de vinho branco barricado e espumante. Desde 2022 adquiriu uvas tintas Cabernet Franc de um produtor parceiro para a elaboração do vinho tinto. “Todos os vinhos têm o nome de Cria, uma forma carinhosa de chamá-los, como filhotes. Em cada um dos rótulos há um ipê, em referência a essa árvore emblemática de Minas Gerais, e em uma alusão às iniciais do meu nome (IP) – sendo ipês branco, amarelo e roxo”, conta.

Persistência e superação
Graziela Boscato nasceu e cresceu em meio aos pés de videira na região de Nova Pádua, no Rio Grande do Sul. O vinhedo e a vinícola herdadas de gerações da família sempre foram sua diversão e trabalho durante a infância e a adolescência. Quando chegou na fase adulta, a cultura vinífera seria o caminho natural. Escolheu fazer o curso de Enologia, ciência que estuda todos os aspectos relativos ao vinho, desde o plantio, escolha do solo, vindima, produção, envelhecimento, engarrafamento até a comercialização.

“Mas, em decorrência do aspecto cultural, mercado de trabalho e maturidade pessoal daquela época meus pais me direcionaram para outra carreira. Assim, escolhi Engenharia Química”, conta. O que parecia lhe distanciar de seu sonho, acabou lhe aproximando da cadeia produtiva do vinho e de profissionais que atuavam na Enologia dentro de sua área, a Engenharia Química. Após a graduação, foi trabalhar em um laboratório de análises de uva e vinho. Foi aí que decidiu prestar vestibular para a graduação em Tecnologia em Vitivinicultura e Enologia pelo Instituto Federal de Bento Gonçalves. “Mesmo adiando meu desejo profissional inicial, eu tive a perseverança de não desistir de fazer a graduação no que eu realmente queria. Tenho a enologia hoje como minha profissão, meu amor pelo trabalho, dedicação ilimitada e muito orgulho da minha trajetória”, frisa.

Em 2021, Graziela e a irmã Ana uniram esforços e, com a experiência de mais de 45 anos do pai Valmor Boscato, criaram a própria vinícola, a Caetano Vicentino Vinhas & Vinhos. O nome é uma homenagem ao trisavô Caetano Boscato, imigrante da província de Vicenza, na Itália, e ao vinhedo que é herança do avô Aldo Caetano Boscato. “Com as novas gerações, mudanças em processo e tecnologia foram ocorrendo, porém, sempre mantendo a essência da tradição familiar, o amor pela uva e pelo vinho”.

CURIOSIDADE
Quem é quem na viticultura

O que é Enologia?
Enologia é a ciência que estuda todos os aspectos relativos ao vinho, desde o plantio, escolha do solo, vindima, produção, envelhecimento, engarrafamento, etc.

O que é Enólogo?
Indivíduo que tem conhecimentos de enologia; formado em faculdade de enologia.

O enólogo é um profissional com características definidas, dentro do perfil ocupacional da indústria, voltado acentuadamente para as tarefas de coordenação, supervisão e execução. Sendo este o responsável pela produção e por todos os aspectos relacionados com o produto final, (vinificação, estabilização, envelhecimento, engarrafamento, controle de qualidade, análise química, análise sensorial dos vinhos, conhecimentos sobre viticultura, marketing do vinho, vendas, entre outros.)

O que é Enófilo?
Apreciador e estudioso de vinhos (ou amante), aquele que se dedica profissionalmente ou por prazer a estudar o maravilhoso mundo dos vinhos

Enófilo é diferente de enólogo, devido ao fato de que o enólogo é um graduado que cuida da elaboração de vinhos, sendo que o enófilo é apenas um apreciador, e não pode elaborar vinhos.

O que é Sommelier?
É um profissional especializado conhecedor de vinhos e todos os assuntos relacionados a este serviço. O sommelier trabalha em restaurantes e lojas de vinhos, elaborando carta de vinhos, orientando os clientes a respeito da melhor escolha para acompanhar os alimentos escolhidos, além de cuidar da compra, armazenamento e rotação de adegas.

Fonte: ABE