Até 45% das doenças cardiovasculares, como infarto e AVC, podem ter origem na boca. A relação, confirmada por estudos do Instituto do Coração (Incor) e citada pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), mostra que inflamações bucais, especialmente gengivite e periodontite, liberam substâncias inflamatórias que entram na corrente sanguínea e favorecem o desenvolvimento de problemas cardíacos.
Portanto, com o aumento da longevidade, cuidar da saúde bucal na terceira idade é muito mais do que uma questão estética, é um ato de prevenção sistêmica e de cuidado com o coração.
Segundo o cirurgião-dentista da Hapvida +Odonto, Leandro Salomão Alvarenga, a saúde bucal na terceira idade enfrenta desafios específicos. “Com o envelhecimento, a boca sofre mudanças naturais: há retração gengival, redução do fluxo salivar e uso contínuo de medicamentos que podem causar xerostomia (boca seca)”, explica.
Esses fatores, somados a hábitos acumulados ao longo da vida, abrem espaço para cáries de raiz, gengivite, periodontite, estomatite protética, candidíase e até câncer bucal, especialmente em pessoas que fumam ou consomem álcool com frequência. “As doenças da gengiva são as que mais preocupam, porque, além de provocarem perda dentária, geram inflamação crônica que pode afetar o corpo todo”, ressalta o dentista.
Da gengiva ao coração: como a inflamação se espalha
Quando a gengiva está doente, ela se torna uma porta de entrada para bactérias. “Atividades simples como escovar os dentes ou mastigar podem liberar microrganismos na corrente sanguínea”, explica Leandro Alvarenga.
Essas bactérias e substâncias inflamatórias, como interleucinas, proteína C reativa, TNF-α e IL-6 podem: acelerar a aterosclerose, favorecendo o acúmulo de placas nas artérias; aumentar o risco de endocardite infecciosa, especialmente em pessoas com válvulas cardíacas artificiais ou defeitos cardíacos; descompensar o diabetes e agravar o estado inflamatório do organismo.
Segundo Leandro Alvarenga, pesquisas já identificaram bactérias bucais como a Porphyromonas gingivalis em placas ateroscleróticas, uma evidência direta de que o problema começa na boca e termina no coração.
Perder dentes pode significar perder mais do que o sorriso
O dentista também alerta que a perda dentária pode funcionar como um marcador de risco cardiovascular. “Quem tem menos de dez dentes ou perdeu todos costuma apresentar maior mortalidade por doenças cardíacas”, destaca.
Segundo ele, a razão está tanto na história de inflamação crônica quanto na mudança alimentar que vem depois: “sem dentes, o idoso mastiga pior, reduz o consumo de frutas, fibras e vegetais e pode entrar em processo de desnutrição e fragilidade.”
Sinais de alerta que exigem atenção
Leandro Alvarenga recomenda que idosos e cuidadores fiquem atentos a sinais como:
- sangramento gengival, inchaço e mau hálito persistente;
- próteses sujas ou usadas durante o sono, que aumentam o risco de pneumonia aspirativa;
- boca seca constante (xerostomia), que favorece cáries e infecções;
- feridas que não cicatrizam, especialmente em fumantes.
“O consultório odontológico é uma porta de triagem da saúde geral. Muitas vezes, o dentista é o primeiro a identificar sinais de doenças sistêmicas, inclusive cardíacas”, reforça Leandro Alvarenga.
Prevenção
A prevenção, segundo o especialista, começa em casa, com higiene bucal rigorosa e visitas regulares ao dentista. “É importante escovar os dentes e usar fio dental ou escova interdental de 2 a 3 vezes ao dia; utilizar creme dental com flúor de alta concentração (5.000 ppm), sob orientação profissional; fazer aplicação periódica de verniz fluoretado para proteger as raízes expostas; controlar a boca seca com hidratação, revisão de medicamentos e saliva artificial; limpar próteses diariamente e não dormir com elas — dentaduras noturnas dobram o risco de pneumonia aspirativa; preferir enxaguantes sem álcool e usar alimentos fibrosos ou gomas sem açúcar para estimular a salivação”, recomenda.
Próteses e implantes: atenção redobrada
Na terceira idade, as próteses removíveis devem ser higienizadas e retiradas durante o sono. Já os implantes dentários exigem vigilância especial. “Eles podem sofrer inflamações como mucosite e peri-implantite, principalmente em diabéticos, fumantes ou quem já teve periodontite”, explica o dentista.
A prevenção inclui escovas interdentais, uso de superfloss e acompanhamento regular com radiografias e sondagem.
Integração entre dentistas e cardiologistas
Para o especialista, a integração entre odontologia e cardiologia é essencial. “Dentistas controlam a inflamação bucal; cardiologistas consideram a saúde periodontal como parte do cuidado cardiovascular”, afirma.
Ele lembra ainda que a profilaxia antibiótica para endocardite infecciosa é hoje indicada apenas para pacientes de alto risco, conforme diretrizes da AHA (2021) e da ESC (2023). “Para a maioria das pessoas, o melhor remédio é higiene oral rigorosa e manutenção regular no dentista.”
Para finalizar, o dentista reforça que a saúde bucal é parte indissociável da saúde geral — e cuidar dela é também cuidar do coração. “Envelhecer com qualidade não é apenas manter os dentes, mas preservar a função mastigatória, o equilíbrio nutricional e o bem-estar sistêmico”, conclui.