Ansiedade infantil nas férias: quando o tempo livre pesa mais do que alivia

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Especialista alerta que a quebra da rotina pode gerar angústia e sintomas físicos em crianças e adolescentes.

Um levantamento do Instituto de Psiquiatria da Universidade de São Paulo (USP), divulgado em 2023, indicou que 36% das crianças e adolescentes brasileiros desenvolveram quadros de ansiedade e depressão após mudanças bruscas na rotina associadas ao contexto pandêmico. Desafios que também são enfrentados por eles em determinados períodos, como é o caso das férias escolares. Para muitas famílias, o recesso representa descanso e lazer; para outras, esse tempo pode trazer uma inquietação silenciosa sentida no comportamento dos pequenos.

É o que explica a psicóloga da Hapvida, Lua Helena Moon Martins Cardoso. “Nas férias, o ideal de descanso absoluto pode ser sufocante para algumas crianças e adolescentes. E isso gera ansiedade”.

Para a especialista, a escola não é apenas lugar de aprender – é também eixo. “Um espaço previsível, onde os dias têm mapa e os encontros seguem roteiro. Quando isso some de repente, o mundo interno pode ficar descompassado. O tédio dói. O excesso de estímulo digital entorpece. Do outro lado, pais tentam manter tudo em pé, mas também se veem à deriva, sem a âncora da rotina. Nesse contexto, as férias, então, viram um tempo sem contorno, que mais exige do que alivia. Há uma espécie de vácuo identitário que se abre: quem somos quando nada nos estrutura?”, reflete.

Segundo a psicóloga, essa desorganização emocional muitas vezes não se expressa com palavras, mas aparece em sinais como irritação, alterações no apetite, insônia ou sono fragmentado. “Não é birra. É o corpo tentando organizar o caos por dentro”. Um erro comum, segundo Lua, é tentar silenciar esses sintomas com o uso excessivo de telas. “A tela silencia o grito – não a escuta”, alerta.

Lua Moon destaca ainda que há ainda uma armadilha silenciosa nesse período: a obrigação de aproveitar tudo. De extrair felicidade de cada dia. “Vem a necessidade de se criar memórias lindas para postar. Como se descansar fosse performar prazer.

Como saída, a psicóloga da Hapvida destaca que é preciso reinventar os vínculos familiares durante esse período e trocar a cobrança por conexão genuína. “Reduzir o tempo de tela pode ser mais eficaz quando o foco muda: ao invés de cortar, que tal redirecionar?”, propõe. Entre as sugestões, estão atividades simples e criativas, como montar uma playlist das férias em família, criar vídeos estilo vlog ou recriar cenas de filmes com figurinos improvisados.

Outra dica é mergulhar com curiosidade real no universo dos filhos, inclusive nos jogos on-line. “Há adolescentes que passam horas construindo mundos incríveis no Minecraft, por exemplo, e os pais nunca perguntaram o que existe neles. Por que não entrar e explorar esse universo com curiosidade real? Quando os adultos param de tentar salvar os filhos do mundo deles e começam a habitá-lo com presença, surgem vínculos que não se apagam na próxima notificação.”

No lugar de grandes viagens ou cronogramas de lazer, Lua Moon sugere práticas afetivas e sem pressa. “Transformar o fim de tarde em um momento de partilha, onde cada um leva um meme, uma lembrança ou até uma indignação, pode ser mais restaurador do que qualquer roteiro”. Ela ainda salienta que, talvez, o verdadeiro descanso seja apenas isso: estar, existir, com afeto, sem culpa — e com alguém dizendo baixinho: “tá tudo bem, não precisa correr”.