A função reprodutiva humana é regulada por mecanismos complexos que envolvem a interação de diferentes órgãos e hormônios com fatores ambientais. Estudos recentes sugerem que o estilo de vida pode comprometer substancialmente a saúde reprodutiva de homens e mulheres. O ritmo circadiano (RC), cuja função principal é regular os ritmos diários em inúmeros processos fisiológicos parece desempenhar papel essencial na regulação da fertilidade. Pular o café da manhã, padrões de trabalho em turnos, horários de sono irregulares ou exposição à luz artificial alteram o RC e podem reduzir a fertilidade.
A manutenção da regularidade menstrual ou da produção de testosterona e espermartozóides, por exemplo, dependem da produção de hormônicos sintetizados no sistema nervoso central que podem ser afetados por interrupções no RC causadas por trabalho em turnos, jet lag ou exposição a ciclos irregulares de luz e escuridão. Tais alterações podem levar a irregularidade menstrual, complicações na gravidez, redução da qualidade dos espermatozóides e da produção de testosterona.
Adotar hábitos como dieta saudável e alimentação em períodos regulares também são vitais na manutenção do RC, principalmente para as mulheres. Pular refeições, por exemplo, pode interromper as vias metabólicas e hormonais essenciais para a preservação da saúde reprodutiva. Evidências recentes sugerem que pular o café da manhã pode afetar negativamente as funções reprodutivas ao aumentar a resistência à insulina e comprometer o metabolismo da glicose, eventos vitais para a ovulação.
Além disso, o café da manhã é importante na regulação da liberação de hormônios, como cortisol e leptina, que também afetam a fertilidade. Aparentemente, refeições irregulares podem interferir no funcionamento do útero e resultam em complicações gestacionais e abortos. Hábitos alimentares inadequados (alta ingestão de alimentos processados, gorduras trans e açúcar), podem por sua vez afetar negativamente a função reprodutiva. A obesidade, uma condição complexa e multifatorial, mas frequentemente associada a dietas inadequadas pode levar a alterações no RC e a desequilíbrios hormonais, comprometendo assim a fertilidade masculina e feminina.
A atividade física, o sono e o estresse também influenciam o RC e podem afetar a fertilidade. Embora a atividade física regular ajude a manter a regularidade o ciclo menstrual, melhore a sensibilidade à insulina e reduza o estresse oxidativo que é nocivo à fertilidade, é preciso equilíbrio, pois o exercício excessivo, especialmente em atletas do sexo feminino, pode levar à irregularidade menstrual e distúrbios ovulatórios.
O sono, por sua vez, é um importante modulador dos níveis de hormônios reprodutivos. Estudos revelam que padrões irregulares de sono, especialmente a privação de sono ou a má qualidade do sono, podem diminuir a fertilidade ao interferir com a produção de testosterona em homens ou alterar a ciclicidade menstrual e reduzir as chances de implantação do embrião no útero. Por outro lado, o estresse crônico pode resultar em alterações de secreção hormonal que levam a alterações menstruais e anovulação.
Outra questão fundamental a ser considerada é o decréscimo da fecundidade com o aumento da idade feminina, especialmente após os 35 anos face ao aumento de mulheres que adiam a maternidade cada vez mais, fato corroborado pelo aumento de partos nas mulheres acima de 40 anos, quando o risco de infertilidade é maior. Adiar a maternidade para após os 35 anos é uma decisão complexa que não é isenta de riscos de modo que as mulheres devem ser avaliadas e planejar a gravidez caso desejem.
Novas pesquisas revelam uma possível correlação direta entre idade do homem e a diminuição da qualidade do esperma e função testicular assim como redução das taxas de gravidez e de bebês nascidos, aumento das chances de aborto espontâneo e parto prematuro, além do desenvolvimento de várias doenças como autismo, esquizofrenia e leucemia.
A relação entre estilo de vida, saúde reprodutiva e o RC é multifacetada, reforçando a importância de hábitos saudáveis para manter a saúde reprodutiva. Alterações no RC podem reduzir a fertilidade mesmo quando são realizados os sofisticados tratamentos de reprodução assistida com a fertilização in vitro (FIV).
O problema pode ser agravado por hábitos de vida não saudáveis e piorar ainda mais a situação. Além disso, o período que compreende os 100 dias antes da concepção até os 1.000 dias seguintes, são vitais para definir o estado de saúde do futuro bebê, ressaltando a importância da saúde e da idade dos pais nesse momento. Manter o peso saudável, não fumar, cuidar da higiene do sono, limitar a ingestão de ultraprocessados e praticar atividade física regular são medidas importantes para a manutenção da saúde reprodutiva em homens e mulheres e do futuro bebê.
Márcia Mendonça Carneiro, é médica Ginecologista do Biocor Rede D’Or e Professora Titular do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade de Medicina da UFMG