Casos de ansiedade dobraram entre elas no último ano e efeitos podem ser ainda maiores em pacientes oncológicos; Especialistas compartilham dicas para enfrentar situações de crise
O último ano tem sido de muitas mudanças, com novos hábitos de higiene impostos, alterações frequentes em regras de funcionamento de atividades comerciais, distanciamento de familiares e amigos. Muitos precisaram se reinventar no trabalho para mantê-lo, questões financeiras passaram a afligir, sem contar o medo pela contaminação da Covid-19. Neste cenário, o número de casos de depressão aumentou 90% e dobraram os índices de crises de ansiedade e estresse agudo. Sabe-se que mulheres têm mais chances de apresentar alterações na saúde mental do que homens, sendo mais atingidas neste cenário, o que levou a dobrar o número de casos de ansiedade entre elas, de acordo com levantamento realizado pelo Ibope Inteligência. Em meio a tantas complicações, especialistas alertam que é fundamental traçar estratégias de enfrentamento para superar momentos de crise como o atual, e através do autoconhecimento é possível encontrar formas de recuperar o equilíbrio.
A psicóloga clínica e mestre em Ciências da Saúde do corpo clínico do COT Oncoclínicas, Ane Santa Cecília, comenta como o período tem impactado emocionalmente as mulheres. “Houveram implicações em diversas vertentes da vida de todos e uma delas é a rotina. As mulheres estão mais em casa, tiveram que levar o trabalho para o lar, equilibrar com as atividades domésticas e ainda com os filhos fora da escola. Muitas contavam com a ajuda de familiares, o que o atual momento impossibilitou. Sem contar o receio de ser infectada pela Covid-19 ou de transmitir. Tantas preocupações levaram ao aumento de transtornos emocionais e ainda há estudos que dizem que as chances de se desenvolver alterações na saúde mental, são três vezes maiores nelas em comparação aos homens. Os casos de ansiedade e estresse agudo dobraram neste último ano”, conta a especialista que ainda alerta que os impactos podem ser maiores para pacientes em tratamento contra o câncer. “No caso de pacientes oncológicas, além de conciliar tudo isso, ainda tem que lidar com os efeitos colaterais do tratamento, fadiga, náusea, o fato de não conseguir lidar com comida devido ao cheiro e ao esforço, em um momento em que aumenta a necessidade de se cozinhar, por exemplo. A realidade é ainda mais difícil”, aponta Ane.
Outra preocupação dos especialistas é o crescimento do uso de medicamentos psicofármacos. “Nota-se que mais pessoas desenvolveram a insônia e a síndrome do pânico, o que faz com que o uso de psicofármacos cresça bastante. Nossa preocupação fica ainda maior em relação às pacientes oncológicas que têm o acesso a este tipo de medicamento, pois já tendem a usar durante o tratamento, e no momento mais intenso de angústia, podem aumentar a dosagem por conta própria, o que não é recomendado. Qualquer mudança no uso de medicamentos deve ocorrer através de recomendação médica”, destaca Ane.
Além do efeito emocional, o medo gerado pela contaminação tem impactado nos cuidados também com a saúde, como alerta a ginecologista com especialização em ginecologia oncológica, que integra o corpo clínico do COT Oncoclínicas e da Unidade Hospitalar do UMC, Dra. Mileide Sousa. “Percebemos ansiedade nos pacientes, que estão com medo de fazer consultas, receio de operar. O medo diante de algo desconhecido, é o que prepondera nas pessoas atualmente, mas devemos lembrar que atrasos nos cuidados médicos adequados podem comprometer o sucesso na luta contra outras doenças, como por exemplo, o câncer, em que realizar o tratamento de forma adequada e precoce é fundamental. Já acumulamos aprendizados ao longo deste período de pandemia, e medidas foram ampliadas para evitar o contágio da Covid-19 em clínicas, hospitais, laboratórios. Em muitos casos também temos a telemedicina como aliada, que contribui para que os pacientes que não necessitam de atendimento presencial continuem sendo acompanhados”, comenta Dra. Mileide. A prevenção também não pode ser esquecida, pois é fundamental para o diagnóstico precoce do câncer, que potencializa as chances de cura da doença. “Exames que são rotineiros para as mulheres vão contribuir para a detecção de diversas doenças. O papanicolau, por exemplo, é o principal exame de rastreamento do câncer de colo uterino, o tumor ginecológico mais frequente do país, depois do câncer de mama”, destaca a Dra. Mileide.
Outro alerta que a ginecologista especialista faz é sobre como a ansiedade e o estresse podem afetar o corpo, incluindo o sistema imunológico que garante a proteção contra infecções. “Em um momento como esse da pandemia, precisamos muito do nosso sistema de defesa e sabemos que o estresse e a ansiedade elevados levam a um enfraquecimento do sistema imune, deixando o organismo mais susceptível ao desenvolvimento de infecções”, conta a especialista.
Diante de tantas angústias e inquietações, a psicóloga Ane Santa Cecília orienta que é preciso buscar estratégias de enfrentamento para vencer esta fase, buscando desenvolver a resiliência e a ressignificação dos momentos difíceis. “Precisamos tirar o foco do que não temos agora e pensar naquilo que está ao nosso alcance. Observo pessoas com dificuldades financeiras aproveitando este momento para fazer cursos e melhorar o currículo, outras que para manter a rotina de atividades físicas aproveitam para fazer exercícios em casa com os filhos. É importante nos conhecermos para identificarmos o que nos proporcionará prazer e ocupar nosso tempo com isso, aproveitar para descobrir novas possibilidades em meio às limitações. Não há uma receita para ajudar a aliviar a ansiedade, para cada um é diferente”, destaca Ane.
Para as mulheres, que além de buscar equilíbrio para si ainda lidam com as ansiedades dos filhos, a psicóloga reforça que é importante envolver as crianças e atribuir responsabilidades para elas em casa. “A criança precisa se envolver com alguma coisa, pois quando fica ociosa vai ficar mais ansiosa e agitada. Temos que usar a criatividade para exercer funções e ter o tempo ao nosso favor, planejando atividades com eles. Não dá pra sair, mas dá para se divertir em casa. É muito importante também colocar responsabilidades para cada um, reorganizar os papéis em casa e distribuir funções entre todos”, comenta a psicóloga.
Apesar de destacar muito a necessidade de ocupar-se e manter-se ativo, para encontrar equilíbrio também é fundamental respeitar os momentos de descanso. “Também não precisa fazer algo o tempo todo, pode aproveitar para descansar, por que não passar um dia vendo filmes? Importante saber separar as jornadas, definir momentos de descanso efetivo e aproveitar para realmente se desligar”, explica a psicóloga que completa lembrando a relevância da positividade. “É preciso entender que somos capazes de sofrer e superar. Enfrentando de uma forma positiva, o tratamento e o processo serão mais suaves. A jornada não é fácil, mas quando vivida com otimismo, com certeza as coisas vão ser melhores”, conclui a psicóloga.