Oncologista do Mater Dei Santa Genoveva alerta para impacto da saúde mental na adesão às terapias e no bem-estar de pacientes e cuidadores
O câncer afeta não só o corpo, mas também a mente de quem vive o diagnóstico — pacientes e seus cuidadores enfrentam desafios emocionais intensos ao longo de toda a jornada de tratamento. Dados recentes do Instituto Nacional de Câncer (INCA) estimam que, entre 2023 e 2025, o Brasil registrará em média 704 mil novos casos de câncer por ano, tornando ainda mais urgente a discussão sobre o suporte psicossocial necessário durante essa trajetória.
Impactos psicológicos nos pacientes
Segundo o oncologista Dr. Rodolfo Gadia, do Hospital Mater Dei Santa Genoveva, os efeitos emocionais mais comuns incluem ansiedade, medo da morte ou da recidiva, e incerteza quanto ao futuro e ao bem-estar da família. Esses sentimentos podem se manifestar em crises de ansiedade antes de exames e resultados, com sinais como sudorese, taquicardia e agitação. “Já vimos pacientes que adiam exames decisivos por puro medo do resultado. Isso não é falta de coragem, é sofrimento real que precisa ser acompanhado”, diz o oncologista.
A depressão também é frequente: estudos sistemáticos apontam prevalência de transtorno depressivo em 16,5% dos pacientes oncológicos e de transtorno de ansiedade em 9,8%, valores superiores aos da população geral. Além disso, muitos relatam sensação de culpa por hábitos pretéritos (como tabagismo) e enfrentam crises existenciais, questionando “por que eu?”, fenômeno que pode se intensificar em estágios avançados do tratamento.
Relação entre saúde mental e adesão ao tratamento
Não se trata apenas de conforto emocional: pacientes com depressão ou ansiedade têm maior probabilidade de descontinuar ou atrasar terapias essenciais. Conforme meta-análise publicada no Journal of Clinical Oncology (2019), quem apresenta depressão tem risco 30–40% maior de não aderir ao protocolo oncológico, enquanto a ansiedade pode levar à recusa de procedimentos invasivos, impactando diretamente no prognóstico.
Sobrecarga dos cuidadores
Cuidar de alguém em tratamento oncológico frequentemente exige dedicação intensa, muitas vezes por meses ou anos. Pesquisa realizada com familiares de pacientes oncológicos indicou que 70,7% dos cuidadores apresentam sobrecarga moderada a severa, manifestada por fadiga extrema, alterações do sono, irritabilidade e até sintomas depressivos.
“Cuidadores frequentemente se colocam em segundo plano, até adoecerem”, observa Dr. Gadia. Ele recomenda triagens regulares para identificar sinais de sobrecarga emocional — como insônia, irritabilidade e sintomas depressivos — e propõe intervenções simples: “pausas programadas, divisão de tarefas e acompanhamento psicológico também para o familiar ou amigo que dedica horas diárias ao tratamento”.
Estratégias multidisciplinares de suporte
Dr. Gadia explica: “o suporte deve começar no diagnóstico, sendo mantido ao longo de toda a jornada, incluindo cuidados paliativos. Isso melhora a qualidade de vida e, muitas vezes, a própria resposta ao tratamento” .
Algumas intervenções que podem ser utilizadas:
Cuidados clínicos e psicológicos: avaliações periódicas de ansiedade e depressão, com encaminhamento a psicólogos ou psiquiatras.
Terapias integrativas: atividades como arteterapia, musicoterapia e exercícios leves, que ajudam a reduzir o estresse e a “chemo brain”.
Cuidados paliativos precoces: introdução de equipe multiprofissional (incluindo psicólogos) desde o reconhecimento de doença avançada, para manejo da dor e suporte emocional simultâneos.
Combate ao estigma e ao isolamento
O câncer ainda carrega tabus que podem levar ao isolamento social de pacientes e cuidadores. Para combater o isolamento social e o estigma ainda associados ao câncer, Dr. Gadia apoia campanhas de conscientização e atividades que humanizam o ambiente hospitalar. “Projetos como os Doutores da Alegria não são meras amenidades — eles resgatam a esperança e reforçam a ideia de que o paciente não está só”, conclui.